terça-feira, novembro 26, 2013

Felicidade conta-gotas ( Luciana Chemim)

Felicidade conta-gotas Luciana Chemim Dia desses li uma crônica do poeta gaúcho, Fabrício Carpinejar, em que ele sabiamente dizia que não existe dia ruim, eis que cada dia guarda sua parcela de felicidade. Cada traçado de sua crônica parecia decifrar o “segredo” que a vida nos escancara a cada dia, mas que fazemos questão de manter trancafiado para podermos seguir em busca da felicidade idealizada, aquela que nunca será encontrada. Creditamos a nossa felicidade plena a um cargo ambicionado, ao casamento dos sonhos, ao primeiro milhão conquistado, ao peso ideal, à medalha de ouro em nossa modalidade esportiva e a tantas outras conquistas, materiais ou não, que perdem o sabor quando alcançadas e nos fazem estender o “ser feliz” para o próximo desejo. E é claro que esses e outros acontecimentos e ganhos nos deixam felizes. Seria completamente maluca se afirmasse o contrário. Mas ser feliz é outra coisa. Ser feliz é valorizar aquela alegria que nos põe em êxtase, a qual costumo chamar de “felicidade conta-gotas” e que pode ser encontrada em algum instante do nosso dia. Felicidade conta-gotas é não precisar de grandes acontecimentos, dispensar a notoriedade e se regozijar dos pequenos prazeres diários, porque se reconhece que o tempo é limitado demais para que seja desperdiçado procurando por algo que está ali, ao alcance dos braços. Porque, como bem disse Carpinejar, “a felicidade é pobre. A felicidade precisa apenas de um abraço bem feito”. Felicidade conta-gotas é brindar uma promoção ainda que o coração esteja em frangalhos, é se lambuzar com o sorvete ainda que se esteja acima do peso desejado, é curtir um show de rock na companhia de si mesmo, é assistir o filme preferido na sessão da tarde em plena segunda-feira, é filmar seu filho pegando as primeiras ondas, é ensinar as primeiras palavras, desprender as mãos e assistir lindamente abobado seus primeiros passos. Felicidade conta-gotas é chorar de emoção com um cartão que chegou desavisado, é sentir o coração vibrar no encontro daquele olhar, é ser livre para fazer as escolhas que quiser, é amanhecer cantando com os amigos e ser contemplado pelo sol, é dormir até mais tarde naquela manhã chuvosa, é ouvir um elogio sincero, é ser reconhecido por um trabalho que te tirou horas de sono, é receber a visita de pessoas queridas, é o telefonema do amigo distante, é molhar os pés no mar e sentir a energia renovada. Felicidade conta-gotas é despertar com um delicioso chá da manhã na cama, é apitar o jogo de futebol do filho e ouvir que você é o melhor “juiz de futebol” do mundo, é reler cartinhas antigas e se inebriar de contentamento pelas emoções todas que foram vividas, é soltar a voz no meio da faxina, é se esvaziar daquilo que te impede de seguir em frente. Felicidade conta-gotas é uma boa prática de yoga, é dançar até a noite virar dia, é gargalhar até ter câimbra na barriga, é uma roda de viola, é o bolo de cenoura recém saído do forno, é saber que seu sangue doado salvou vidas, é um sorriso perdido no meio da multidão que veio encontrar o seu, é um grito libertador na hora do gol na final do campeonato, é um amigo ouvindo suas crônicas antes delas irem para o papel. Felicidade conta-gotas é saber que a vida é curta, é linda, é única e merece ser vivida até o transbordar do copo, mesmo que nem tudo seja gostoso como brigadeiro de panela ou aprazível como música de Chico Buarque ouvida baixinho, num fim de tarde ensolarado, sobre a rede pendurada na varanda. Felicidade conta-gotas é saber encontrar o instante mágico que permeia o seu dia. Por isso, finalizo fazendo coro e parafraseando Carpinejar: “Não existe dia ruim. Sempre há chance do dia ser feliz. Mesmo que seja tarde. Mesmo que seja de madrugada.”

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